Local de incidência do ISSQN
A Constituição Federal silenciou quanto ao local a ser considerado como da prestação de serviço, delegando à lei complementar a prevenção do conflito, através da criação de uma regra.
O aspecto espacial da hipótese tributária do ISSQN definido pelo decreto-lei 406/68 Sendo o ISSQN um tributo entregue a todo e qualquer Município brasileiro, no qual se verifique a ocorrência de prestação de serviço de qualquer natureza, excetuadas as de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicações, ainda que iniciadas essas prestações no exterior (hipótese do ICMS), o ISSQN será sempre do Município em cujo território ocorra a prestação do serviço (princípio constitucional implícito da territorialidade,
expresso no art. 102 do CTN).
Dúvida, portanto, não deve haver quando se tratar de um serviço todo ele prestado no mesmo Município. Nesse caso não há conflito de competência. Dúvidas ocorrem quando se trata de serviço, cuja prestação se dá de modo divido entre dois ou mais Municípios ou cuja prestação se dá em um Município para entrega em outro. Para esses casos é que a CF fala em lei complementar, como veículo de regras gerais harmonizantes que disciplinem essas relações. Imaginemos os trabalhos intelectuais: advogados, contadores, economistas, arquitetos e analistas de sistemas.
Uma situação em que o contador recebe no seu escritório os documentos de uma empresa localizada no Município vizinho ou vai lá colhê-los, faz o trabalho de contabilidade no Município em que mantém escritório e o entrega no Município vizinho. Teria de pagar ao Município vizinho?
Uma empresa de montagem de sistema de ar condicionado central (ou de armários), que monta um sistema no seu Município, mas instala na empresa que o encomendou situada no Município vizinho. Teria que pagar ao Município vizinho?
No caso de uma clínica que desloca um médico a um Município vizinho, para atender a um doente, dá-lhe os primeiros socorros, mas acha aconselhável sua internação, não teria prestado um serviço médico no Município vizinho e outro no local do seu estabelecimento?
E no caso de ensino à distância? E no caso de prestação de serviços pela via da Internet?
E no caso do serviço de fotografia em um Município com revelação em outro?
Poderíamos aqui citar inúmeras situações que ensejariam graves problemas no que tange ao Município competente para tributar o citado imposto e, exatamente em face destes problemas, é que o Decreto-Lei 406/68 estabeleceu a regra jurídica do art. 12:
"Art. 12 – Considera-se local da prestação de serviço:
-
o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento,o do domicílio do prestador;
-
no caso de construção civil, no local onde se efetuar a prestação no caso do serviço a que se refere o item 101 da Lista Anexa, o Município em cujo território haja parcela da estrada explorada."
MARÇAL JUSTEN FILHO, defende a tese da inconstitucionalidade do art. 12, alínea “a” do Decreto-Lei 406/68, por entender que o dispositivo fere o princípio constitucional da territorialidade. Afirma, ainda, o autor de que não há o que disciplinar, a fim de se evitar conflitos de competência, afinal nossa CF rígida já as discrimina de tal modo que esses conflitos não acontecem.
Mas, a verdade é que há zonas cinzentas na incidência de alguns impostos. E, de qualquer modo, não foi assim que prescreveu a lei constitucional. Ela entendeu que deveria haver uma lei complementar para cumprir uma missão da qual ela se desincumbiu (cf. art. 146 da CF). Pensamos que a questão a ser posta não é de inconstitucionalidade da alínea “a” do art. 12, do diploma citado, mas da necessidade de interpretá-lo, conforme o princípio constitucional da territorialidade. Se entendermos a expressão estabelecimento prestador, como o local em que se presta o serviço, em que o mesmo é realizado e não a mera sede da empresa, se percebermos que as alíneas “b” e “c” do referido art. 12 são complementares da mesma regra da alínea “a” e não a ela opostas, não há que se falar em inconstitucionalidade, mas de interpretação conforme a Constituição. Eis o aspecto espacial da regra de incidência tributária do ISSQN: local da execução do serviço, da sua efetiva realização. Dir-se-á. Mas, este aspecto só vale para construção civil ou para serviços de exploração de rodovias (item 101 da lista anexa). Essa assertiva, que vem sendo repetida há anos, é um grande equívoco de boa parte da doutrina4. A alínea "b" e a recém acrescida, pela lei complementar 100/99, alínea "c" não excepcionam a regra da alínea “a”, mas a confirmam, elucidam uma única regra: o local da prestação do serviço será o local da execução desse serviço. É que no caso de construção civil, o local do estabelecimento prestador só pode ser o local da obra. Por isso, a remissão ao local da efetiva prestação, nos parece. Diante de tal regra, é irrelevante, para se determinar a incidência tributária, o local da sede; o local onde a Nota Fiscal de serviços foi emitida; o local onde o serviço foi pago; o local onde o contrato foi firmado etc. Entre o critério da atividade, objeto da prestação de serviço e a utilidade gerada para o cliente, que leva, à alternativa do local da prestação do serviço, como sendo, respectivamente, o do estabelecimento prestador ou o da entrega do serviço, ficou o legislador com o primeiro. Mais de acordo com o aspecto material do imposto, fornecido pela Constituição: prestação de serviço.
Se o aspecto material do imposto é a prestação do serviço, e disso ninguém discorda, nada mais razoável que seja fixado como aspecto espacial, o local em que está situado o estabelecimento no qual se executa o serviço, o estabelecimento prestador e, no caso de construção civil, o local da obra, que concretiza a idéia de estabelecimento prestador.
Veja que o legislador complementar não elegeu como local para incidência do imposto a sede do prestador de serviço, mas o seu estabelecimento prestador, o local em que administra a sua atividade, onde estão os instrumentos utilizados para a prestação, onde é realizada a sua prestação, onde a empresa demanda infra-estrutura do Município. É lá que deve deixar o seu tributo.
A JURISPRUDÊNCIA
A jurisprudência do STJ segue nesse sentido, embora interpretada erroneamente por boa parte da doutrina como contra-legem:
"Ementa: Tributário. ISS. Sua exigência pelo Município em cujo território se verificou o fato gerador. Interpretação do art. 12 do DL nº 406/68. Embora a lei considere local da prestação de serviço, o do estabelecimento prestador (art. 12 do DL nº 406/68), ela pretende que o ISS pertença ao Município em cujo território se realizou o fato gerador. É o local da prestação do serviço que indica o Município competente para a imposição do tributo (ISS), para que se não vulnere o princípio constitucional implícito que atribui àquele (município) o poder de tributar as prestações ocorridas em seu território. A lei municipal não pode ser dotada de extraterritorialidade, de modo a irradiar efeitos sobre um fato ocorrido no território de município onde não pode ter voga. Recurso a que se nega provimento, indiscrepantemente." (RE 54.002-0/PE – Min. Demócrito Reinaldo. STJ).
• Tributário. ISS. Competência para sua exigência. Sede do estabelecimento prestador. A competência para exigir ISS é do município onde estabelecida a empresa prestadora. Recurso improvido. (STJ, Recurso Especial nº 17.648-0 – SP, Relator Min.
César Asfor Rocha).
• Serviços gerais de guarda e vigilância. Estabelecimento prestador. Localização em município diferente daquele onde o serviço é executado, a competência para exigir o tributo é do município onde se situa o estabelecimento prestador. Aplicação do art. 12 da lei 406/68. Recurso provido. (TJSC – 3aCC.Ac.25968). • Imposto sobre serviço (ISS). Para efeito de cobrança do ISS o que importa é o local onde se encontra o estabelecimento prestador do serviço, pois é ai que ocorre o fato gerador do imposto. (TAPR – 1a. C.Civ – R.01/86).
• Tributo – ISS – Município de Santos – Serviço de manutenção de equipamentos médico-hospitalares – Recolhimento do imposto no local do estabelecimento prestador dos serviços e não no município onde é realizado os serviços – Embargos à Execução Fiscal rejeitado. (TACSP – R.131/146).
• Imposto – Serviços de qualquer natureza – Paisagismo – Município de Campinas – Obra concluída – Tributo devido no local onde se situa o estabelecimento prestador e não no local da prestação dos serviços. Recurso especial conhecido e provido. (Recurso Especial, nº 16.033-0 – SP).
• Processo Civil – Tributário – Ação Anulatória de Débito Fiscal – ISS – Local de pagamento – Estabelecimento prestador. O ISS devido pela prestação de serviço, que não o de construção civil, deve ser pago onde estiver situado o estabelecimento prestador, “in casu” o Município de Vitória. (TJ/ES, Proc. 24950016279).
A jurisprudência do STF, igualmente, segue a mesma linha de entendimento:
• ISS. O local da prestação do serviço é o do estabelecimento prestador (art.12, ‘a’, do D.L. nº 406/68.) Não nega vigência a esse dispositivo acórdão que, em face das circunstâncias de fato e de direito, considera que a empresa tem filiais no exterior e que foram estas que prestaram o serviço ali, não sendo, portanto, devido o ISS à prefeitura do Município onde está situada a sede. Questão preliminar que não é decidida à luz do citado preceito legal. Recurso Extraordinário não conhecido. (Votação unânime. Rel. Moreira Alves. Rec.11 PP – Ano:88, p. 12100).
O que tentamos dizer, nestas apertadas linhas, é que a interpretação, conforme à Constituição, do art. 12 do Dec. Lei 406/68, que fixa critério para a determinação do local da prestação de serviço, em caso de conflito de competência entre Municípios, é a de que o imposto pertence ao Município em que efetivamente se realiza a prestação do serviço, sendo esse serviço realizado no estabelecimento prestador ou no estabelecimento tomador do serviço.
Assim, a interpretação levada a cabo pelo STJ não é contra-legem, mas inspirada na Constituição e reveladora do sentido jurídico da expressão “estabelecimento prestador”, há muito tempo buscado. Estabelecimento prestador só pode significar, em respeito ao princípio constitucional da territorialidade, estabelecimento onde se presta o serviço e não
estabelecimento de quem o presta.
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