Regra matriz de incidência do ISS

07-12-2011 20:38

No presente artigo, adotar-se-á o modelo da regra matriz proposta por Paulo de Barros CARVALHO, justamente por que:

A esquematização formal da regra-matriz de incidência tem-se mostrado um utilíssimo instrumento científico, de extraordinária fertilidade e riqueza para a identificação e conhecimento aprofundado da unidade irredutível que define a fenomenologia básica da imposição tributária. Seu emprego, sobre ser fácil, é extremamente operativo e prático, permitindo, quase que de forma imediata, penetrarmos na secreta intimidade da essência normativa, devassando-a e analisando-a de maneira minuciosa. Em seguida, experimentando o binômio base de cálculo/hipótese de incidência, colhido no texto constitucional para marcar a tipologia dos tributos, saberemos dizer, com rigor e presteza, da espécie e da subespécie da figura tributária que investigamos.

A regra matriz é dividida em descritor (hipótese) e prescritor (consequência). “A hipótese alude a um fato e a consequência prescreve os efeitos jurídicos que o acontecimento irá propagar razão pela qual se fala em descritor e prescritor, o primeiro para designar o antecedente normativo e o segundo para indicar o seu consequente”.

Faz parte do descritor (hipótese tributária) o critério material, o critério temporal e o critério espacial. Enquanto que faz parte do prescritor (consequência tributária) o critério pessoal e o critério quantitativo. Assim “a conjunção desses dados indicativos nos oferece a possibilidade de exibir, na sua plenitude, o núcleo lógico-estrutural da norma-padrão de incidência tributária”.

Critério material

Como critério material pode-se entender o comportamento de determinada pessoa que é tributado por estar previsto abstratamente na norma jurídica tributária.
CARVALHO, ao fornecer a ideia de critério material como verbo e complemento, afirma que: Dessa abstração emerge o encontro de expressões genéricas designativas de comportamentos de pessoas, sejam aqueles que encerram um fazer, um dar ou, simplesmente, um ser (estado). Teremos, por exemplo, “vender mercadorias”, “industrializar produtos”, “ser proprietário de bem imóvel”, “auferir renda”, “pavimentar ruas”, etc. Esse núcleo, ao qual nos referimos, será formado, invariavelmente, por um verbo, seguido de seu complemento. Daí porque aludirmos a comportamento humano, tomada a expressão na plenitude de sua força significativa, equivale a dizer, abrangendo não só as atividades refletidas (verbos que exprimem ação) como aquelas espontâneas (verbos de estado: ser, estar, permanecer etc.).

No que diz respeito ao ISS, a Constituição Federal de 1988 prescreve o seguinte:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir imposto sobre:

(...)

III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

Assim, os Municípios poderão instituir o ISS sobre a prestação ou circulação de serviços (definidos em lei complementar), excluídos os serviços de transporte intermunicipal e interestadual e os serviços de comunicação, que são tributados pelo ICMS, de competência estadual.

Portanto, como bem salienta SOARES DE MELLO, “o cerne da materialidade da hipótese de incidência do imposto em comento não se circunscreve a ‘serviço’, mas a uma ‘prestação de serviço’, compreendendo um negócio (jurídico) pertinente a uma obrigação de fazer, de conformidade com os postulados e diretrizes do direito privado”.

Por sua vez, Sérgio Pinto MARTINS, assevera que “o ISS é um tributo que onera determinado bem econômico (serviço, bem econômico imaterial) que se encontra na etapa da circulação (das transferências econômicas)”. Já MACHADO, constata que “a prestação dos serviços de qualquer natureza, para integrar a hipótese de incidênia do imposto em tela, há de ter caráter profissional”.

Concordando com o autor citado anteriormente, Marçal JUSTEN FILHO destaca que “a nota característica do serviço é a sua individualidade, onde cada serviço é um serviço, na acepção de haver em cada oportunidade, uma identidade inconfundível e irrepetível”.

No entanto, o que precisa estar claro é que somente podem ser tributados pelo ISS os serviços constantes na Lista de Serviço anexa à Lei Complementar. Isto porque mesmo havendo posições doutrinárias divergentes, o Supremo Tribunal Federal – STF, já entendeu que referida lista tem o caráter taxativo e não exemplificativo.

Critério temporal

O critério temporal da regra matriz de incidência tributária, contida no descritor da mesma, revela-se de extrema importância, tanto para o Fisco como para os contribuintes, fazendo valer a tão propalada segurança jurídica.

CARVALHO o conceitua da seguinte forma: Compreendemos o critério temporal da hipótese de incidência tributária como o grupo de indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor, em função de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária.

Segundo a doutrina, pouco importa para o direito tributário se o ato é instantâneo, continuado, periódico ou composto. Isto porque como bem observou Geraldo ATALIBA, “não importa ao intérprete se o fato qualificado pela lei se consuma num átimo ou se depende de penoso e lento processo pré-jurídico para se consumar. Só o que é relevante é o momento de sua consumação”.

Mais especificamente, SOARES DE MELLO assim diz: Em se tratando de ISS, impõe-se a irrestrita obediência ao seu aspecto material – prestação de serviços – nada interessando os aspectos meramente negociais ou documentais. Somente com a efetiva realização (conclusão ou medição por etapas) dos serviços é que ocorre o respectivo fato gerador tributário com a verificação do seu aspecto temporal.

Com isso, não apresentam reflexos tributários o simples fato de realizar um contrato de prestação de serviços (antes de executado), bem como o recebimento dos valores antecipadamente ou o seu não recebimento. Ainda não surte efeitos tributários a emissão de recibos e/ou notas fiscais.

Critério espacial

O critério espacial deve ser entendido como o local em que se dá a incidência de determinada norma jurídica tributária, ficando à livre escolha do legislador, trazer expresso ou não o local em que os fatos devem ocorrer, porém, “haverá sempre um plexo de indicações, mesmo tácitas e latentes, para assinalar o lugar preciso em que aconteceu aquela ação”.

No âmbito do ISS, o Decreto-Lei n.º 406/68 estabeleceu o seguinte:

Art. 12. Considera-se local da prestação do serviço:

a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador;

b) no caso de construção civil, o local onde se efetuar a prestação.

No que concerne aos serviços de construção civil, não há maiores problemas. Por outro lado, tratando-se de demais serviços, surgiram algumas dúvidas sobre qual dos municípios teria a competência para tributar um serviço prestado por uma empresa localizada no município A, mas que executou os serviços no município B, por exemplo.

Sobre a temática anterior, CARRAZA manifestou-se dizendo que “o ISS é sempre devido (e não só no caso de construção civil) no Município onde o serviço é positivamente prestado. É nesse município, também, que devem ser cumpridos, pelo contribuinte, ou por terceiros a ele relacionados, os deveres instrumentais tributários”.

De outro lado, encontra-se o posicionamento defendido por Edvaldo BRITO, dizendo que “importa saber onde está o estabelecimento prestador dos serviços, pois onde ele existir, aí paga o ISS”, concluindo que “o ISS é devido no município onde está localizado o estabelecimento prestador e não onde o serviço é executado”.

Outro questionamento levantado refere-se aos casos em que há prestação de serviços em mais de um município. MARTINS entende ser devido o ISS apenas no Município no qual se encontra localizada a empresa.

Já a posição majoritária dos tribunais, assim como externada por SOARES DE MELLO é resumida a seguir: A fixação do Município competente (ISS) implica o critério jurídico estipulado para a configuração do fato gerador, tendo em vista circunstâncias especiais da prestação envolvendo uma complexidade de atividades (fracionadas ou não). Na medida em que só se considere efetivo serviço prestado aquele objeto de conclusão – entendendo irrelevantes todos os atos anteriores – somente poderá ser considerado como local da prestação (obrigação do ISS) aquele em que ocorrer o término dos serviços.

Critério pessoal

Finalizada a parte referente ao descritor da hipótese de incidência, que compreende os critérios material, temporal e espacial já analisados nos itens anteriores, passa-se a tratar agora da parte relativa ao prescritor da hipótese de incidência, que compreende além do critério pessoal, o critério quantitativo.

No critério pessoal encontram-se os sujeitos que participam da relação jurídico-tributária, ou seja, o sujeito ativo e o sujeito passivo.

O sujeito ativo é entendido como sendo o titular do direito subjetivo de exigir a prestação tributária. É geralmente representado pelas pessoas jurídicas de direito público interno, como a União Federal, os Estados membros, Distrito Federal e Municípios – que possuem poder legislativo para editar normas conforme as diretrizes fornecidas pela Constituição Federal. Pode ainda, nos casos de parafiscalidade, ser representado por órgãos da Administração Pública Indireta e pelas entidades paraestatais (Sesi, Sesc, Senai, etc.), que são pessoas jurídicas de direito privado que realizam atividades de interesse público.

No caso do Imposto Sobre Serviços – ISS, o sujeito ativo que detém a competência tributária é o Município onde ocorre a prestação do serviço, conforme o disposto no art. 156, III, da CF/88.

Assim os Municípios são dotados de privatividade para criar o ISS, o que, por via oblíqua, implica a exclusividade e consequente proibição de seu exercício por quem não tenha sido consagrado com esse direito. Trata-se de matéria de ordem pública, eivando-se de nulidade a instituição desse imposto por Município localizado em âmbito territorial distinto daquele em que ocorrera a efetiva prestação dos serviços.

Todavia, não se deve confundir competência com capacidade tributária ativa, sendo que só tem a primeira o ente político que detiver poder de legislar sobre a matéria, enquanto que terá a segunda o órgão que apenas detiver o poder de fiscalização e/ou arrecadação dos tributos.

Sobre a competência, CARVALHO manifesta-se dizendo que: Não se confunde com a capacidade tributária ativa. Uma coisa é poder legislar, desenhando o perfil jurídico de um gravame ou regulando os expedientes necessários à sua funcionalidade; outra é reunir credenciais para integrar a relação jurídica, no tópico de sujeito ativo. O estudo da competência tributária é um momento anterior à existência mesma do tributo, situando-se no plano constitucional. Já a capacidade tributária ativa, a ser considerado no ensejo do desempenho das competências, quando o legislador elege as pessoas componentes do vínculo abstrato, que se instala no instante em que acontece, no mundo físico, o fato previsto na hipótese normativa.

Quanto ao sujeito passivo, “é a pessoa – sujeitos de direitos – física ou jurídica, privada ou pública, de quem se exige o cumprimento da prestação”.

A sujeição passiva dá-se de modo direto (contribuinte) ou de modo indireto (substituição e transferência, sendo que a última comporta três espécies: a solidariedade, a sucessão e a responsabilidade).

O contribuinte “é a pessoa que tenha relação direta com a situação que constitua o fato gerador do tributo”. É aquele que “mantém relação pessoal e direta com a respectiva materialidade, e que realiza o fato gerador, voluntariamente, passando a ter seu patrimônio comprometido em benefício do sujeito ativo”.

Desta forma, tanto o antigo art. 73, do CTN, quanto o art. 10 do Decreto-Lei n.º 406/68, dizem que o contribuinte do ISS é o prestador de serviços previstos na lista determinada pela lei complementar, complementados pelo art. 8º do mesmo diploma legal, “in verbis”:

“Art. 10. Contribuinte é o prestador de serviços”.

“Art. 8º. O imposto, de competência dos Municípios, sobre serviços de qualquer natureza tem como fato gerador a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante de lista anexa”.

O conteúdo do último artigo transcrito merece uma especial atenção quanto ao vocábulo empresa (que deve ser entendido como aquela que exerce atividade econômica e possui o lucro como objetivo principal de sua existência, diferentemente de outros tipos de sociedades, como as cooperativas, associações filantrópicas, caritativas, etc.) e o vocábulo profissional autônomo (que é aquele que exerce suas atividades profissionais por conta própria, sem subordinação ou caráter permanente, não se confundindo, portanto, com trabalhador avulso).

Já a sujeição passiva de modo indireto, pela substituição, “consiste na imputação de responsabilidade por obrigação tributária de terceiro – que não praticou o fato gerador – mas que tem vinculação indireta com o verdadeiro contribuinte (empresa ou prestador de serviços)”.

A solidariedade “é a hipótese em que duas ou mais pessoas sejam simultaneamente obrigadas pela mesma obrigação”. Em relação ao ISS, dá-se a solidariedade no caso de consórcio de empresas, quando o Município competente poderá exigir referido imposto de qualquer empresa integrante do consórcio.

A sujeição passiva do ISS pela sucessão, é bem explicada por SOARES DE MELLO, o qual afirma que:

Se verifica quando falece um devedor do ISS, competindo aos seus herdeiros – observadas as forças da herança – promover o seu pagamento a fim de que possa ser homologada a partilha dos bens. Nos negócios societários (fusão, cisão, incorporação, aquisição) as empresas sucessoras, que continuam explorando as atividades empresariais, devem arcar com o ISS devido anteriormente à realização dos apontados negócios.

Por fim, a responsabilidade “é vislumbrada no regime de fonte em que o legislador comete ao contratante (e pagador) dos serviços prestados a proceder à retenção do ISS, no caso do contribuinte (prestador de serviços) não se encontrar inscrito na repartição fiscal do Município”.

Critério quantitativo

Para finalizar o estudo da regra matriz do ISS, resta analisar o critério quantitativo, que é conceituado por CARVALHO como sendo “o grupo de notícias informativas que o intérprete obtém da leitura atenta dos textos legais, e que lhe faz possível precisar, com segurança, a exata quantia devida a título de tributo”. O critério quantitativo é formado pela base de cálculo e pela respectiva alíquota aplicada à mesma. Apenas não há base de cálculo nem alíquota na hipótese de tributos fixos, como o ISS cobrado de profissionais liberais, por exemplo. A base de cálculo, definida por Aires BARRETO, “é o padrão, critério ou referência para medir um fato tributário, sendo a definição legal da unidade constitutiva do padrão de referência”.

No caso do ISS, a base de cálculo é definida pelo Decreto-Lei n.º 406/68, “in verbis”:

“Art. 9º. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1º. Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.

§ 2º. Na prestação dos serviços a que se referem os itens 19 e 20 da lista anexa o imposto será calculado sobre o preço deduzido das parcelas correspondentes.
a) ao valor dos materiais fornecidos pelo prestador de serviços;
b) ao valor das subempreitadas já tributadas pelo imposto.

§ 3º. Quando os serviços a que se referem os itens 1, 2, 3, 5, 6, 11, 12, e 17 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1º, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviço em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável”.

Isto posto, a regra geral da base de cálculo do ISS é o preço da prestação do serviço, com exceção daqueles especialmente destacados pela lista de serviços.
A partir da premissa acima descrita, ficam fora da incidência do ISS aqueles serviços prestados sem qualquer relevância, bem como os prestados a título gratuito ou com propósito de filantropia ou caridade.

No que tange à alíquota, que também integra o critério quantitativo da regra matriz de incidência tributária, esta “dá a compostura numérica da dívida, produzindo o valor que pode ser exigido pelo sujeito ativo, em cumprimento da obrigação que nascera pelo acontecimento do fato típico”.

Com relação ao ISS, a Constituição Federal de 1988, fixa em seu art. 156, § 3º, I, que:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir imposto sobre:

(...)
III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar;
(...)
§ 3º. Em relação ao imposto previsto no inciso III, cabe à lei complementar:

I – fixar as suas alíquotas máximas e mínimas.

Com isso, muitos autores consideraram haver ofensa à própria autonomia municipal, como é o caso de SOARES DE MELLO, que reflete que: Nesse sentido, a referida autonomia estará sendo ferida na medida em que o legislador nacional venha a estipular alíquotas sem nenhuma expressão, impedindo que os Municípios obtenham uma adequada arrecadação, e desenvolver suas peculiares atividades como assegurado pela própria Constituição.

Com isso, esperamos ter alcançado nosso objetivo de expor, mesmo que de modo simplificado, a regra matriz do Imposto Sobre Serviços – ISS.

Comente o artigo: Regra matriz de incidência do ISS

AUTOR

REINALDO 21-03-2019
O artigo não é assinado. Gostaria de saber o nome do autor para que possa citá-lo no artigo que estou escrevendo sobre a insegurança jurídica do ISS.

REFERÊNCIAS

REINALDO 21-03-2019
Bom dia. Excelente artigo. Você poderia citar as referências dos autores citados no texto, com o nome dos livros/artigos consultados?

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